Formiculosa








































Dionaea muscipula
aprisionando uma formiga. Foto: Marcelo Notare.




PLANTAS CARNÍVORAS

Elsie Franklin Guimarães, José Mauricio Piliackas & Marcelo Notare
                                                                                                                                                                                                                                                     



                                                                                                                                                                                                                                                             (HABITAT 74 - AGOSTO 2003)




As plantas carnívoras — ou, como preferem alguns autores, insetívoras, apesar de os insetos constituirem apenas parte dos organismos por elas predados — formam um grupo não natural (sem ancestral comum obrigatório) cujos integrantes (cerca de 640 espécies dispostas em 18 gêneros e 10 famílias) apresentam diferenças morfológicas e fisiológicas apreciáveis, embora tenham em comum o fato de serem capazes de suprir parte de suas necessidades nutricionais através da digestão de pequenos animais, geralmente insetos ou diminutas entidades aquáticas. As carnívoras possuem dispositivos especiais — verdadeiras armadilhas — derivados das folhas, usados para atrair e capturar presas que são digeridas por meio de enzimas secretadas pelas próprias plantas ou, em alguns casos, provavelmente, pelos micro-organismos comensais que vivem no interior daqueles dispositivos.

A sistemática do grupo permanece pouco esclarecida. A tentativa de estabelecer relações entre os diferentes ramos filéticos de carnívoras baseada em caracteres encontrados nas armadilhas carece de maior significado uma vez que tais caracteres podem ter evoluído de maneira independente — os gêneros Pinguicula e Utricularia, por exemplo, apesar de pertencerem à mesma família (Lentibulariaceae), possuem armadilhas completamente diversas — e quaisquer estruturas, mesmo as mais simples, podem ter origem polifilética.    

Cumpre ressaltar que as carnívoras são capazes de sintetizar seu próprio alimento a partir de substâncias inorgânicas, tanto quanto as demais plantas verdes, não sobrevivendo somente das reservas contidas em suas presas, que, na verdade, lhes servem apenas para suprir eventuais deficiências nutritivas e equilibrar suas necessidades de nitrogênio.


ORGANOGRAFIA


As plantas carnívoras fazem parte das fanerógamas angiospérmicas e, como tal, apresentam todas as estruturas peculiares a este ramo dos vegetais considerado mais evoluído. Trata-se de plantas anuais ou perenes, subarbustivas ou herbáceas, caulescentes ou não, algumas escandentes e, às vezes, providas de gavinhas foliares.

As raízes são frágeis (Dionaea; Drosera; Nepenthes; Sarracenia) ou atrofiadas e inconspícuas (Aldrovanda; Genlisea; Utricularia) mas algumas espécies (Byblis gigantea Lindl.; Drosophyllum lusitanicum Lk., Ibicella lutea V. Eselt.; Triphyophyllum peltatum Airy-Shaw) possuem típico sistema radicular freatófito. Nas plântulas, as radicelas tardam a aparecer, não raro depois da abertura dos cotilédones, sob a forma de tufo de pêlos longos, frágeis e medíocres, que aparentemente não exercem função de absorção ou sustentação.

As folhas são simples, alternadas ou verticiladas (opostas em Ibicella lutea), profundamente modificadas, algumas formando urnas (Brocchinia, Catopsis, Cephalotus, Darlingtonia, Heliamphora, Nepenthes e Sarracenia), utrículos (Utricularia) ou túbulos subterrâneos (Genlisea).

Dionaea muscipula Ell. possui folhas dispostas em roseta basal com pecíolos laminares (filódios) e limbos formados de dois lobos simétricos longitudinalmente articulados entre si (armadilha) e providos de dentes agudos nas margens. Aldrovanda vesiculosa L. desenvolve ao longo do caule verticilos de oito folhas espatuliformes de ápice laciniado, sendo cada folha dotada de uma estrutura apendicular bivalve (armadilha) nas imediações de sua extremidade livre. As folhas das espécies de Byblis, Drosera, Drosophyllum, Ibicella, Pinguicula e Triphyophyllum contêm numerosos tentáculos mucilaginosos (armadilhas), em geral pedunculados e capitados. As espécies de Nepenthes desenvolvem folhas de pecíolo laminoso, conectado por meio de gavinha a uma formação especializada denominada ascídia (armadilha), cuja abertura, situada na parte superior, é protegida por um tipo de tampa ou opérculo. Os incluídos na ordem Sarraceniales (gêneros Darlingtonia, Heliamphora e Sarracenia) possuem folhas tubulares, como se fossem jarras, dispostas em roseta basal.

As flores, de simetria radial (actinomorfas), mas às vezes irregulares (zigomorfas), podem ser pequenas ou grandes, hermafroditas ou unissexuadas, solitárias (neste caso sobre escapo) ou agrupadas em inflorescências escorpióides, racimos axilares, cimeiras e panículas.

As descrições genéricas mostradas ao final deste artigo fornecem maiores dados sobre a morfologia das plantas carnívoras, inclusive sua estrutura reprodutiva.       

Dá-se o nome de síndrome ao conjunto de sintomas ou sinais característicos de uma tendência ou estilo de vida de determinado grupo vegetal, e pelo qual o genótipo se manifesta de acordo com as pressões exercidas pelo meio ambiente. A síndrome do carnivorismo evidencia-se através de caracteres anatomo-morfológicos encontrados nas armadilhas, que, todavia, se tomados isoladamente, de modo algum constituem exclusividade de plantas carnívoras. Existem muitas outras plantas que, se não chegaram ao estágio de digerir e absorver o conteúdo de suas presas, ao menos possuem dispositivos similares que lhes proporcionam certo proveito: Passiflora adenopoda DC. apresenta na superfície de suas folhas, agudos e curvados tricomas capazes de puncionar as resistentes couraças de besouros fitófagos, os quais morrem pelo total extravazamento de seu conteúdo líquido; espécies do gênero Nicotiana (e.g. N. tabacum L.) produzem alcalóides letais para afídeos sugadores (pulgões); muitas espécies do gênero Solanum (e.g. S. berthaultii Hawkes.; S. tarijense Hawkes.;     S. polyadenium Grenm.) são dotadas de pêlos glandulares tetra-lobados que, ao serem rompidos pelos movimentos dos afídeos, derramam dois componentes distintos que se combinam para formar uma substância adesiva que  fixa inexoravelmente esses insetos à superfície foliar; espécies do gênero Roridula, originárias do sul da África, possuem tentáculos mucilaginosos virtualmente idênticos aos das espécies de Drosera — portanto, capazes de capturar e matar insetos — mas não estão bem aparelhadas para absorver o conteúdo de suas vítimas que, todavia, são consumidas ainda vivas por aranhas caranguejeiras habitantes das imediações.*

* Na verdade, não se tinha certeza sobre a inclusão do gênero Roridula no grupo das carnívoras, porém estudos mais recentes mostraram que essas plantas também desenvolveram algum tipo de mecanismo de absorção animal. Agora elas são, portanto, consideradas plantas carnívoras.
      

Realmente, os sinais de carnivoria entre os vegetais superiores encontram-se amplamente difundidos, a ponto de se supor que a síndrome do carnivorismo tenha evoluído a partir de mecanismos isolados de defesa contra predadores herbívoros.


ARMADILHAS


As armadilhas englobam todos os dispositivos que possibilitam às plantas atrair, reter, aprisionar, matar e digerir as presas e, em seguida, absorver os seus nutrientes. O mecanismo de atração das vítimas se faz de duas maneiras: através de estímulos visuais e de estímulos olfativos. No primeiro caso, os padrões de colorido característicos das armadilhas resultam de pigmentos diversos, como flavonóides, naftoquinonas e antocianinas, os quais, aos olhos humanos, mostram-se em tonalidades de púrpura e vermelho; além disso, a superfície exposta de muitas armadilhas exibe padrões de absorção de raios ultravioleta, plenamente percebidos pelos insetos. No segundo caso, os odores exalados pelas plantas, adocicados ou putrefatos, devem-se a substâncias voláteis detectáveis pelos insetos a longas distâncias; o odor de matéria orgânica em decomposição, de especial eficácia para atrair moscas e escaravelhos, verifica-se de modo mais conspícuo nas folhas maduras de Sarracenia e Nepenthes. Ao chegarem os insetos, o néctar exsudado pelas armadilhas os orienta através de trilhas estrategicamente dispostas (caminhos nectaríferos), conduzindo-os aos locais mais favoráveis para serem aprisionados.  

As armadilhas apresentam caracteres morfológicos peculiares a cada espécie mas a princípio consideram-se quatro tipos básicos: urnas ou ascídias (Brocchinia, Catopsis, Cephalotus, Darlingtonia, Heliamphora, Nepenthes e Sarracenia); tentáculos adesivos ou mucilaginosos (Drosera, Drosophyllum, Ibicella, Pinguicula e Triphyophyllum); folhas preênseis móveis (Aldrovanda e Dionaea); e vesículas de sucção (Utricularia).

Cephalotus








































Cephalotus follicularis
com suas armadilhas em forma de urna. Foto: Mauricio Piliackas.



Tanto as ascídias como as vesículas de sucção são formadas a partir do recurvamento e posterior união dos bordos de uma folha sobre sua superfície adaxial (superfície superior ou interna); esta forma evolutiva — denominada epiascidiata —, é comum aos dois tipos de dispositivos, ocorrendo a diferenciação na ontogênese.

As espécies do gênero Genlisea constituem um caso a parte, em que, no lugar de raízes, existe um conjunto de folhas modificadas formando tubos ôcos que penetram no substrato; cada tubo, na sua parte mediana, possui uma dilatação à guisa de estômago que, mais adiante, se bifurca, dando origem a ramificações helicoidais por onde as presas penetram sem jamais poderem retornar devido à existência de numerosos pêlos retrorsos. Apesar de ainda não terem sido realizados estudos com exemplares vivos do gênero Genlisea, presume-se que essas plantas tenham participação ativa na captura, por meio de movimentos de sucção, uma vez que os exemplares herborizados continham no interior de suas armadilhas apreciável quantidade de partículas componentes do substrato.

Em espécies do gênero Nepenthes as ascídias pendem eretas da extremidade gaviniforme das folhas, sempre com a abertura voltada para cima, são providas de opérculo utilizado como “guarda-chuva” para dificultar a entrada excessiva de água que tornaria o líquido digestivo muito diluído, e possuem colorido verde com manchas avermelhadas ou vinosas, ou são alvas com manchas avermelhadas. As espécies maiores (e. g. N. rajah Hook.) desenvolvem ascídias robustas (até 30cm de comprimento). As ascídias jovens são fechadas por uma quantidade de pêlos fortes entre o bordo e o opérculo, mas, com o crescimento, estes se separam, sendo possível observar o conteúdo líquido, até então estéril. O colorido da urna e do opérculo atraem os insetos; estes, orientados pelo néctar exsudado das margens do opérculo, dirigem-se para o peristômio (formação entumescida que circunda a entrada da urna), onde escorregam e caem, encontrando no interior da ascídia numerosos pêlos retrorsos que impedem o seu retorno. A entrada dos insetos e o movimento de suas patas sobre as paredes da urna, quando tentam escapar, estimulam a produção e a secreção de ácido fórmico, tornando o líquido ascidial ácido e viscoso, operando-se a digestão completa da presa no prazo de 48 horas.


mixta





































Ascídias de Nepenthes "mixta"; note o peristômio e o opérculo. Foto: Mauricio Piliackas.


As espécies do gênero Drosera possuem lâminas foliares profusamente cobertas de pêlos glandulares semelhantes a tentáculos, constituídos de um pedúnculo longo de ápice dilatado revestido de duas camadas epidérmicas externas, separadas da camada interna por outra intermediária. Entre o ápice dilatado e a base do tentáculo há células diferenciadas que, sob estímulos mecânicos, exsudam água a fim de diluir o líquido viscoso originário da capa secretora e cujo odor se assemelha ao do mel. As glândulas digestivas situam-se na lâmina foliar e na base dos tentáculos. As presas, em geral moscas e formigas, atraídas pelo colorido e odor, tocam os tentáculos que prontamente se curvam sobre as mesmas, as quais, por sua vez, passam a se debater, estimulando a liberação de enzimas digestivas. As plantas do gênero Drosera levam cerca de cinco dias para efetuar seu processo digestivo.

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    Mosca aprisionada pelos tentáculos de Drosera capensis.

    Observe o forte recurvamento da folha. Fotos: Mauricio Piliackas.












Stephen et al. (in: Chandler et Anderson, 1976) realizaram estudos sobre os movimentos das folhas de Drosera intermedia Hayne e verificaram a presença de uma gotícula viscosa circundando o ápice de cada tentáculo. Caso a presa fosse capturada pelos tentáculos externos, estes se curvavam para dentro, conduzindo tal presa para o centro da folha onde acabavam por englobá-la. Os referidos autores introduziram microeletrodos  naqueles tentáculos e verificaram que a sua rápida resposta está relacionada com súbitas mudanças do potencial elétrico da membrana plasmática; o estímulo é recebido na cabeça do tentáculo e transmitido ao pedúnculo. Por outro lado, ficou evidenciado que os movimentos mais lentos são estimulados por agentes químicos liberados pelas presas quando tocam os tentáculos internos.

A armadilha de Dionaea muscipula constitui-se de dois lobos foliares, simétricos e de formato lenticular, articulados longitudinalmente entre si pela nervura mediana (como as conchas de certos moluscos bivalves); a margem de cada lobo está provida de dentes eretos (14-22) que se engrenam quando a armadilha entra em atividade. A região periférica, localizada na parte superior interna, contém poucas glândulas sésseis, normalmente coloridas, produtoras de carboidratos; a superfície digestiva, situada na região central da armadilha e limitada pela linha interna da região periférica, contém numerosas glândulas digestivas, pigmentadas, dispostas sobre a epiderme. Na face interna de cada lobo, em meio às glândulas digestivas, há normalmente três cerdas sensoriais agudas que ao serem tocadas geram um impulso elétrico, fazendo fechar rapidamente os lobos foliares, formando então uma  câmara que aos poucos vai se estreitando; nesta primeira fase, os dentes ficam entrecruzados. As margens dos lobos vão se aproximando gradativamente e os dentes se desarticulam, ao mesmo tempo em que a presa é forçada a se dirigir para a região centro-basal da câmara onde estão localizadas as glândulas digestivas. A partir daí, começa o trabalho de digestão e absorção da presa; os lobos foliares se colabam e passam a exercer forte pressão entre si, enquanto  certas glândulas periféricas secretam uma substância que veda os bordos e impede o extravazamento do líquido digestivo.               

Dionaea

Dionaea muscipula. As armadilhas consistem de dois lobos articulados que se fecham rapidamente em contato com a presa. Foto: Mauricio Piliackas.


As espécies do gênero Sarracenia desenvolvem armadilhas semelhantes a jarras ou longos tubos, dilatadas no ápice e protegidas por opérculo, parcialmente preenchidas com líquido digestivo. A epiderme do lado externo da armadilha contém glândulas nectaríferas e, não raro, pêlos introrsos e viscosos; a face interior possui glândulas digestivas e pêlos retrorsos viscosos. A parte inferior da armadilha é lisa.

As espécies do gênero Utricularia possuem pequenas urnas vesiculiformes de origem foliar transformadas em armadilhas, chamadas de utrículos (lat. utriculo = pequeno útero), com as quais capturam e digerem diminutos organismos aquáticos (protozoários, larvas de microcrustáceos, vermes, algas e até sementes), abastecendo-se da matéria orgânica de que necessitam. O utrículo possui uma abertura que se mantém fechada e estanque à água por um tipo de porta ou válvula ladeada por cerdas mais ou menos longas. Por efeito osmótico ou de turgescência celular, a água contida no utrículo passa continuamente através de suas paredes para o meio ambiente, resultando num equilíbrio instável pela diferença de pressão interna e externa. As cerdas funcionam como gatilho e ao menor contato deslocam a porta, permitindo o súbito retorno das paredes à sua posição original; a água que penetra no utrículo por sucção arrasta consigo tudo aquilo que estiver contido nas imedi-ações. Os organismos sugados e impedidos de fugir são digeridos por meio de enzimas (diastases) secretadas por glândulas da superfície interna do utrículo (Notare, 1992). Os utrículos são curto-pedicelados e alguns atingem tamanho relativamente grande (cerca de 4,0mm de diâmetro), oferecendo perigo para larvas recém-nascidas de peixes.


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Utricularia humboldtii (planta aquática) com formação de utrículos. Na foto da direita, detalhe do utrículo. Fotos: Mauricio Piliackas.


As espécies do gênero Pinguicula crescem em locais úmidos por entre musgos e rochas e exalam odor semelhante ao dos fungos. As folhas são densamente cobertas por diminutos tentáculos adesivos; os insetos capturados ficam aderidos à face superior das mesmas enquanto os bordos destas vão lentamente se enrolando, deste modo aumentando a superfície de contato bem como a ação das glândulas disgestivas; depois voltam à posição inicial.


ECOLOGIA


O hábito de carnivoria entre as plantas está diretamente relacionado com o meio em que vivem. As carnívoras medram em ambientes oligotróficos, ácidos, notadamente pobres em nitrogênio — daí a necessidade de obterem este elemento através da digestão de pequenos animais — e não possuem muita habilidade para vegetar em locais ricos em cálcio, sendo, portanto, em sua maioria, calcífugas. Ao contrário do que se poderia imaginar, a abundância de presas não lhes favorece em estabelecer colônias, pois o excesso de nutrientes incorporados pelas plantas, são gradativamente transferidos para o meio ambiente, resultando condições propícias ao surgimento de vegetação competitiva e dominante. A despeito de sua limitada capacidade individual de suportar variações, as espécies carnívoras conquistaram numerosos e diversificados nichos ecológicos situados em latitudes e altitudes variáveis, nos extremos de temperatura, em florestas tropicais, riachos e ambientes halófitos (salobros).

De um modo geral, as carnívoras preferem habitar locais permanente ou sazonalmente encharcados, tais como brejos, pântanos e terrenos úmidos turfosos. De fato, apesar de, em sua maioria, não estarem entre as legítimas plantas aquáticas, o meio líquido lhes favorece ou até se torna fundamental. Darlingtonia californica Torrey vegeta semi-emersa em riachos rasos mas ocasionalmente suporta longos períodos de submersão. Algumas espécies de Sarracenia também adquiriram hábitos anfíbios. Dionaea muscipula mostra estar bem condicionada para suportar variações do nível da água pois nos períodos de maior precipitação pluviométrica continua a se desenvolver como planta submersa, chegando a capturar presas aquáticas como peixes e larvas de anfíbios. Aldrovanda vesiculosa é uma típica aquática que se mantém próxima da superfície graças às suas armadilhas que, fechadas, também funcionam como flutuadores. Algumas espécies neotropicais do gênero Drosera são encontradas submersas em brejos e outros locais onde o solo arenoso se encharca, às vezes associadas a espécies de Lentibulariaceae, de Xyridaceae e de Cyperaceae. As espécies de Utricularia são eminentemente hidrófilas e mesmo aquelas que vegetam afastadas do meio aquático dependem dos pequenos reservatórios de água que se formam nas alfombras de musgos, nas cavidades de troncos de árvores e de rochas, e mesmo nas cisternas formadas pelas folhas invaginantes de Bromeliaceae, onde estendem suas redes de utrículos para aprisionar minúsculos organismos que ali proliferam (Hoehne, 1955). As espécies aquáticas de Utricularia formam emaranhado e podem ser facilmente cultivadas em aquários como plantas semi-flutuantes ou ancoradas em pedras e troncos. As flores, em geral vistosas e longo-pedunculadas, são mantidas emersas a uma considerável distância da superfície da água por um verticilo de folhas que funciona como flutuador ou por uma região inflada do próprio pedúnculo.

reniformis







































Inflorescência de Utricularia reniformis – no gênero Utricularia, as flores são, em geral,
vistosas e longo-pedunculadas. Foto: Mauricio Piliackas.



Em contrapartida, muitas  espécies se favorecem — ou até dependem — da ação destrutiva do fogo.      Dionaea muscipula habita semi-savanas, terrenos ácidos e, às vezes, ambientes salobros, sujeitos a inundações periódicas, mas que, na estação sêca, costumam ser devastados pelo fogo proveniente de combustões espon-tâneas, que destrói toda a vegetação de porte herbáceo e a tênue camada de húmus; durante essas queimadas, as suas partes aéreas são consumidas, porém os bulbos se mantêm intactos e os indivíduos logo rebrotam, agora livres de competição. Roberts et Oosting (1958) fizeram experimentos em áreas artificialmente incen-diadas e verificaram que nelas os espécimes de Dionaea muscipula floravam mais cedo e com maior número de flores; dois anos depois notaram as plantas mais vigorosas e exuberantes do que as não atingidas pelo fogo. As queimadas têm efeito semelhante sobre Darlingtonia californica, espécies de Sarracenia, de Byblis e Cephalotus follicularis Labill.; muitas espécies de Drosera também são favorecidas pela ação devastadora de incêndios.


DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA


A partir da Ilha de Bornéu, as espécies do gênero Nepenthes se dispersaram pelas regiões tropicais do Oriente (Sudeste da Ásia, Sri Lanka e Austrália), tendo como limite ocidental as Ilhas de Madagascar e Seychelles. Ocorrem desde o nível do mar até 3.500 metros de altitude, em regiões de florestas úmidas, mas quase sempre ao largo destas, em áreas abertas onde a incidência de luz solar se faz livre de obstáculos. Holtem (1954) assinalou que essas carnívoras não costumam habitar florestas primárias.

Heliamphora
































































Heliamphora parva
var. neblinae é uma planta endêmica da região do Pico da Neblina (AM). Foto: Mauricio Piliackas.



As espécies do gênero Drosera estão presentes em quase todo o mundo, até mesmo na Região Circumpolar Ártica (D. anglica Huds. e D. rotundifolia L.), mas parecem ter na Austrália e Nova Zelândia o seu centro de dispersão, dado que lá progrediram e se diversificaram como em nenhuma outra parte (no entanto, os fósseis mais antigos são brasileiros). Habitam diferentes ecossistemas — desertos, pântanos e montanhas — e solos de variados graus de acidez. Costumam ser intolerantes aos ambientes sombrios e necessitam de uma combinação específica de temperatura e intensidade luminosa para o seu processo de floração e o estabelecimento de colônias. Via de regra, não suportam a competição exercida por outras plantas, exceto alguns musgos (notadamente os do gênero Sphagnum), e demais carnívoras. O’Connell (1981) observou Sphagnum sp. e Drosera rotundifolia vivendo juntas em um pântano da Irlanda e somente uma espécie de angiosperma — Menyanthes trifolialata L.— foi detectada junto com elas. Entretanto, foi possível encontrar outras associações de angiospermas com carnívoras, como nos pântanos de Vermont (EUA), onde duas espécies de orquídeas (Cypripedium reginae Walt. e C. pubescens Willd) vegetavam juntas com Drosera rotundifolia L. Certas espécies de Nepenthes e Darlingtonia californica também toleram orquídeas. Experimentos com espécies de Drosera mostraram que essas carnívoras vegetam melhor em solos pobres de nutrientes mas com bom suprimento de insetos do que o contrário, ou seja, em solos ricos mas com pouca oferta de insetos (Chandler et Anderson, 1976); o mesmo se aplica a Dionaea muscipula (Roberts et Oosting, 1958).

Drosophyllum lusitanicum é encontrada geralmente perto do mar, em encostas cobertas de fragmentos pedregosos, livremente drenadas, que, em determinadas épocas do ano (fim de abril ao início de outubro), podem se tornar secas e calcinadas. Algumas colônias são resistentes ao sal. Habita também regiões cuja cobertura vegetal foi destruída por ação do homem, do fogo ou por desmoronamento do solo, e, mais raramente, áreas áridas e abertas da costa portuguesa. Em certas localidades da costa mediterrânea, Drosophyllum lusitanicum tem sido utilizada nas residências e nos estabelecimentos comerciais substituindo os tradicionais cartões “pega-moscas”.

As plantas carnívoras estão representadas em todos os continentes (exceto Antártico), com algumas espécies de larga distribuição e outras mais restritas ou endêmicas de determinadas regiões (ver tabela no final desse artigo).

Sobre as espécies que ocorrem no Brasil, convém observar algumas considerações. O gênero Drosera, representado aqui por mais de 20 espécies, tem maior número assinalado para a Região Sudeste: Drosera montana St. Hil. e D. villosa St Hil. do estado do Rio de Janeiro, a primeira da Serra do Itatiaia e a segunda do Campo das Antas e Castelos no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, e também em Campos do Jordão, ambas a altitudes que variam de 800 a 2.200 metros; D. brevifolia Pursch., de Cabo Frio, ao nível do mar;         D. chrysolepis Taub., D. communis St. Hil., D. graminifolia St. Hil. e D. montana, entre outras, ocorrem na Bahia (Morro do Chapéu), Minas Gerais (Serras do Cipó, Grão Mongol e de Ibitipoca, a altitudes entre 1.000 e 1.400 metros); D. montana também ocorre no Amazonas, e D. sessilifolia St. Hil. em Goiás (serras Dourada e dos Veados) e Piauí (Parque Nacional de Sete Cidades).

O gênero Utricularia possui inúmeros representantes no território brasileiro. Na Região Sudeste do Brasil são encontradas: Utricularia globulariaefolia Mart., de folhas oboval-espatuliformes e flores arroxeadas; U. longifolia Gardn., de flores roxas muito vistosas; U. nervosa G. Web., de folhas reduzidas e flores amarelas;                     U. oligosperma St. Hil., de utrículos muito avantajados; e U. pallens St. Hil., de porte bastante reduzido. Utricularia nephrophylla Benj. é espécie endêmica da cidade do Rio de Janeiro e arredores. Nas coleções de água ácida e escura da Amazônia, assim como em outras partes do Brasil, medra Utricularia foliosa L., com folhas multipartidas em finíssimos segmentos de colorido verde matizado de vermelho, e inflorescência em escapo com numerosas flores amarelas. Ainda na Região Amazônica foram assinaladas Utricularia subulata Lim. e U. erectifolia St. Hil. et Girard. Utricularia fimbriata Kunth foi assinalada nas regiões Nordeste, Sul e Centro-oeste, mas não constitui exclusividade do Brasil, pois  também ocorre na África Central, Flórida e América Central. Utricularia tridentata Sylvén, U. tricolor St. Hil. e U. laxa St. Hil. et Girard distribuem-se principalmente pelos estados da Região Sul. Hoehne (1955) observou Utricularia reniformes St. Hil.  e               U. nelumbifolia Gardn. adaptadas a viver na água represada pelas folhas invaginantes de Bromeliaceae.

Ainda dentro de Lentibulariaceae, destaca-se o gênero Genlisea com as seguintes espécies brasileiras: Genlisea ornata Mart., de flores vitelinas, dos estados de Minas Gerais e São Paulo; G. filiformis St. Hil., de pétalas amarelas claras, de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo; G. violacea St. Hil., de flores lilases providas de uma mácula amarela no centro do palato, da região de Caldas (MG); G. cylindrica Sylvén, de corola violácea, também de Minas Gerais; G. repens Benj., de flores amarelas, de São Paulo. O antigo gênero Biovularia, que tinha no Brasil a espécie B. minima J. G. Kuhlm., de  Lagoa Santa (MG), foi sinonimizado com Utricularia.

Até onde se pode avaliar, as espécies neotropicais estão a salvo da extinção. No entanto, Dionaea muscipula, com distribuição restrita para o leste dos Estados Unidos (Carolina do Norte e Carolina do Sul), vem sofrendo acentuado declínio populacional em razão de pressões ambientais relacionadas com atividades humanas (habitação, agricultura e coleta). Darlingtonia californica, originária da costa oeste dos Estados Unidos, encontra-se flagrantemente ameaçada de extinção. Ao menos para essas espécies, a situação mostra-se crítica, pois sendo plantas pouco adaptáveis e de difícil cultivo, sua reintrodução no ambiente natural já degradado se torna praticamente inviável.

Muitas espécies de plantas carnívoras merecem estudos especiais, com vistas à sua conservação, em razão de seus efeitos medicinais, em especial as do gênero Drosera, usadas no tratamento de arteriosclerose, bronquite e sardas.  



DESCRIÇÕES GENÉRICAS


Nepenthes Linnaeus, 1753
Cerca de 80 espécies. Sudeste da Ásia, Austrália, Sri Lanka, Madagascar e Seichelles. Ervas, sub-arbustos ou arbustos, escandentes ou epífitos. Folhas alternadas, profundamente modificadas; pecíolo laminar prolongando-se em robusta gavinha que se conecta a uma armadilha em forma de urna encimada por opérculo e parcialmente preenchida por líquido digestivo; superfície interna da armadilha com numerosos pêlos retrorsos, voltados para baixo. Inflorescência em racemos ou panículas. Flores regulares, hipóginas, apétalas, unissexuadas. Sépalas 3-4, livres ou ligeiramente concrescidas na base, contendo nectários na face interna. Estames 8-25 (raramente 4), filetes unidos em coluna central. Ovário 3-4 carpelar, 3-4 locular; óvulos numerosos sobre placentas axiais. Estilete solitário, estigma papiloso. Fruto cápsula com deiscência loculicida. Sementes numerosas, filiformes. 

Aldrovanda Linnaeus, 1753
Gênero monotípico (Aldrovanda vesiculosa L.). Velho Mundo e Austrália. Planta aquática típica, livre-flutuante, herbácea de pequeno porte, desprovida de raízes. Caule delgado. Folhas agrupadas em verticilos de oito, cada folha espatuliforme alargada sobre base mais estreita, com numerosos segmentos laciniformes agudos na extremidade distal; a armadilha, situada ao nível da base dos segmentos, é um apêndice do limbo, formada de uma lâmina orbicular oblongada que se dobra ao longo de sua nervura mediana. Inflorescência axilar. Flores perfeitas, regulares. Sépalas 5, concrescidas na base, imbricadas; pétalas 5, convolutas. Estames 5, livres. Ovário 5-carpelar, unilocular; óvulos 3 ou pouco mais. Estilete distinto, bífido; estigma terminal. Fruto cápsula, com deiscência loculicida. Sementes 3-8, ovais.

Dionaea Ellis, 1773
Gênero monotípico (Dionaea muscipula Ell.). Carolina do Norte e Carolina do Sul (EUA). Erva com rizoma em posição mais ou menos horizontal. Folhas dispostas em roseta com pecíolos laminares e limbos modificados em armadilhas constituídas de dois lobos elípticos que se articulam ao nível da nervura mediana; margens dos lobos denteadas (14-22 dentes agudos). Face interna da armadilha com 6 (7-9) pêlos sensitivos (metade em cada lobo) e numerosas glândulas digestivas que podem adquirir intenso colorido vermelho. Inflorescência em cimeira de duas a quatorze flores sobre longo pedúnculo que emerge do centro da roseta. Flores regulares. Sépalas 5, elípticas; pétalas 5, cuneadas; estames 15, concrescidos na base. Gineceu geralmente 5-carpelar; ovário unilocular; óvulos numerosos fixados em placenta basal. Estilete solitário com estigma terminal fimbriado. Fruto cápsula loculicidalmente deiscente. Sementes 3 a numerosas, ovóides.

Drosera Linnaeus, 1753
Cerca de 150 espécies. Cosmopolita. Plantas herbáceas providas de rizóides ou, às vezes, de tubérculos. Folhas dispostas em roseta, densamente cobertas de tentáculos longo-pedunculados e capitados, avermelhados ou hialinos, produtores de mucilagem. Inflorescência simples ou ramosa, às vezes uniflora. Flores andróginas, actinomorfas, diclamídeas. Sépalas 5 (4-8), concrescidas na base, imbricadas; pétalas 5 (4-8), espatuladas ou cuneado-obovadas. Estames 5 (4-8), isômeros, livres. Ovário súpero, 3 (5)-carpelar, unilocular; óvulos geralmente numerosos dispostos em placentas parietais. Estiletes 3 ou 5, livres ou, mais raramente, coerentes; estigmas simples ou multifidos, capitados ou fimbriados. Fruto cápsula 3-5-valvar, polispermos, com deiscência loculicida. Sementes obovóides ou oblongadas.

Drosophyllum Link, 1805
Gênero monotípico (Drosophyllum lusitanicum Lk.). Sul da Península Ibérica e Marrocos. Planta subarbustiva (até 1,60m de altura). Glândulas viscosas pediceladas presentes em toda a planta, exceto na base das folhas, interior das sépalas, pétalas, estames e ovário. Folhas alternadas, linear-subuladas, profundamente sulcadas na face superior, contendo três feixes vasculares oriundos de um feixe simples; ramificações de cada feixe terminando em glândulas pediceladas (produtoras de mucilagem) e glândulas sésseis (produtoras de enzimas). Inflorescência cimosa. Flores amarelas, regulares. Sépalas 5, concrescidas na base, imbricadas; pétalas 5, convolutas, decíduas. Estames 10 ou 20; filetes filiformes comprimidos na base. Gineceu 5-carpelar; ovário unilocular; óvulos geralmente numerosos com longo funículo, dispostos em placenta basal. Estiletes 5, distintos, filiformes; estigma terminal, capitado. Fruto cápsula cartácea com 5 valvas. Sementes geralmente numerosas, obovóides, com funículo longo.

Darlingtonia Torrey, 1851
Gênero monotípico (Darlingtonia californica Torrey). Norte da California e sul do Oregon (EUA). Planta herbácea acaule, com folhas dispostas em roseta basal, eretas e tubulares, de formato cônico, modificadas em armadilhas. Flores grandes e solitárias, pêndulas, regulares. Sépalas 5, pétalas 5. Estames 10 a numerosos; carpelos 5, ovário 5-locular; estiletes 5, pequenos; estigma papiloso. Fruto cápsula com deiscência loculicida. Sementes numerosas, pequenas, clavado-oblongadas.  

Heliamphora Bentham, 1840
Sete espécies. Venezuela, Guiana e Brasil. Plantas herbáceas de solos úmidos. Folhas ascidiformes, mais ou menos tubulosas ou em forma de ânfora, parcialmente preenchidas por líquido digestivo. Inflorescências em racemos paucifloros ou, mais raramente, axilares. Flores perfeitas, regulares, hipóginas. Sépalas 4-6, petalóides, distintas, imbricadas, persistentes, coloridas; pétalas ausentes. Estames cerca de 10. Ovário ovalado, 3-carpelar, 3-locular. Estilete simples; estigma ligeiramente trilobado; óvulos numerosos dispostos em placenta axial. Fruto cápsula com deiscência loculicida, 3-valvar. Sementes pequenas, suborbiculares, providas de larga ala.

Sarracenia Linnaeus, 1753
Cerca de oito espécies. América do Norte. Ervas desprovidas de caule, com raízes fibrosas. Folhas curto-pecioladas dispostas em roseta basal, modificadas em armadilhas semelhantes a jarras ou longos tubos, parcialmente preenchidas por líquido digestivo, dilatadas no ápice. Epiderme do lado externo da armadilha contendo glândulas nectaríferas e, não raro, pêlos entrorsos, viscosos; face interior provida de glândulas digestivas e pêlos retrorsos, viscosos; parte inferior interna da armadilha, lisa. Flores grandes, vistosas, de simetria radial, hermafroditas. Sépalas 5, coloridas; pétalas 5, decíduas. Estames 10 ou mais. Ovário 5-carpelar, 5-locular; óvulos numerosos em placentas axiais. Estiletes 5, estigmas peltados. Fruto cápsula com deiscência loculicida. Sementes numerosas, pequenas, ovaladas, obovaladas ou rostradas (bicos semelhantes a alas).

Byblis Salisbury, 1808
Duas espécies. Austrália. Ervas ou subarbustos. Caule provido de um a três ramos delgados cobertos por numerosas glândulas mucilaginosas, algumas pediceladas e outras sésseis. Folhas simples, alternadas, lineares ou sub-lineares. Flores solitárias, actinomorfas, róseas ou violáceas, axilares. Sépalas 5, imbricadas, livres ou ligeiramente concrescidas na base; pétalas 5, ligeiramente concrescidas na base, imbricadas ou convolutas. Estames 5, alternipétalos, aderentes à base da corola. Ovário 2-carpelar, 2-3 locular;  óvulos numerosos dispostos em placentas axiais. Estilete solitário encimado por estigma capitado ou lobado. Fruto cápsula com deiscência loculicida. Sementes com embrião reto e abundante endosperma.

Cephalotus La Billardière, 1806
Gênero monotípico (Cephalotus follicularis Labill.). Sudoeste da Austrália. Erva de pequeno porte. Rizoma inconspícuo. Folhas dispostas em roseta basal, dimórficas: folhas internas providas de lâmina carnosa e elíptica; folhas externas modificadas em armadilhas urnárias com abertura protegida por opérculo; superfícies interna da urna e externa do opérculo providas de glândulas. Inflorescência em escapo central. Flores pequenas, regulares, hermafroditas, períginas. Hipanto caliciforme com seis lobos coloridos; pétalas ausentes. Estames 6, em duas séries desiguais no ápice do hipanto, acima de um disco glandular. Carpelos 6, livres, cada qual encimado por estilete mais ou menos recurvado; óvulo 1 (raramente 2) em cada lóculo. Fruto folicular-piloso rodeado na base pelo hipanto. Sementes com embrião pequeno e endosperma abundante.
   
Genlisea Saint-Hilaire, 1833
Cerca de 20 espécies. América do Sul, Cuba e África. Ervas de pequeno porte desprovidas de raízes. Folhas de dois tipos: emergentes dispostas em roseta, lineares a espatuliformes, clorofiladas; subterrâneas transformadas em armadilhas tubulares, divergentes, aparentemente desprovidas de clorofila, com uma dilatação na parte mediana (órgão digestivo) e duas ramificações terminais helicoidais. Flores zigomorfas. Cálice 5-lobado; corola amarela ou violácea, bilabiada, lábio superior inteiro ou não, lábio inferior giboso, calca presente. Estames 2, carpelos 2. Ovário globoso, unilocular. Estilete curto com estigma bilabiado. Fruto cápsula globosa, cincuncisa. Sementes pequenas e numerosas.

Pinguicula Linnaeus, 1753
Cerca de 70 espécies. América, Ásia e Europa. Ervas terrestres de solos úmidos. Folhas simples dispostas em rosetas basais. Limbos inteiros, carnosos e ovais, profusamente cobertos por glândulas sésseis e pediceladas; margens foliares espessadas e enroladas para cima contendo glândulas de mucilagem. Flores solitárias, vistosas, dispostas em escapo glanduloso-pubescente, 5-partidas, bilabiadas, providas de esporão,longo e distinto em algumas espécies. Estames 2; carpelos 2. Ovário 2-carpelar, unilocular; óvulos numerosos em placenta axial. Estilete curto ou ausente; estigma bilobado, lobos desiguais papilosos. Fruto cápsula. Sementes numerosas e pequenas.

Utricularia Linnaeus, 1753
Cerca de 300 espécies. Cosmopolita. Ervas aquáticas ou terrestres de locais úmidos. Estolhos pilosos ou glabros. Folhas pinadas nas aquáticas, inteiras e, às vezes, peltadas nas terrestres; armadilhas originárias de folhas modificadas em utrículos pedicelados ou sésseis. Inflorescências racemosas. Flores amarelas, violáceas ou alvas. Cálice bilobado, lobo superior geralmente inteiro, lobo inferior às vezes emarginado; corola bilabiada, lábio adaxial mais ou menos ereto, lábio abaxial estendido ou deflexionado. Estames 2. Ovário globoso unilocular; óvulos 2 a numerosos. Estilete curto, estigma bilabiado. Fruto cápsula globosa com deiscência poricida. Sementes solitárias a numerosas.  
      
Triphyophyllum Airy-Shaw, 1952
Gênero monotípico (Triphyophyllum peltatum Airy-Shaw). Serra Leoa (África). Arbusto escandente, caule cilíndrico. Folhas alternadas, triformes: oblongo-elípticas de ápice bi-gancheado (ganchos frequentemente enrolados) nos ramos primários; maiores e lanceolado-oblongas desprovidas de ganchos apicais nos ramos mais curtos e axilares; estéreis, lineares, de prefoliação circinada, densamente cobertas de glândulas viscosas, longo-estipitadas (como em Drosophyllum lusitanicum) nos ramos novos. Inflorescência cimosa curta, pauciflora. Flores longo-pediceladas. Sépalas 5, pequenas, deltóides, curtamente concrescidas; pétalas 5, obovaladas, crassas, excedendo em muito o comprimento do cálice. Estames 10, curtíssimos, às vezes persistentes na base do fruto. Ovário súpero, obovóide, com numerosos óvulos em placentas parietais. Estiletes 5, longos, multiramosos, papilosos no ápice. Fruto cápsula com deiscência loculicida, obovóide ou piriforme com cinco valvas cimbiformes, carenadas no dorso. Sementes grandes, disciformes, circundadas por larga ala brilhante e amarela. 

Brocchinia Schultes, 1830
Cerca de 18 espécies (uma carnívora, Brocchinia reducta Baker). Colômbia, Venezuela e estado do Amazonas (Brasil). Plantas de pequeno porte desprovidas de caule ou caulescentes. Folhas rosuladas, com bainhas relativamente longas, freqüentemente indistintas; lâminas lineares, ou estreitamente triangulares, densamente lepidota, com escamas impressas. Inflorescência ampla, piramidal, brácteas florais inconspícuas. Flores curto-pediceladas, hermafroditas. Sépalas 3, livres, imbricadas, duas posteriores cobrindo a anterior; pétalas 3, livres, maiores do que as sépalas. Estames 6, filetes mais ou menos aderentes às sépalas e pétalas. Ovário semi-ínfero, 3-locular; óvulos poucos sobre placenta linear. Estilete livre, com três estigmas curtos e eretos. Fruto cápsula com deiscência septicida ou, às vezes, loculicida, triangular. Sementes poucas, seis em cada loja, pequenas, oblongas com ala estreita hialina ou longo-caudadas. 

Catopsis Grisebach, 1864
Cerca de 10 espécies [uma carnívora, Catopsis berteroniana (Schultz filius) Mez]. Sul dos Estados Unidos, América Central até o Brasil. Epífitas acaules. Folhas dispostas em densas rosetas, agudas, verdes, lepidotas. Inflorescência sobre escapo simples e espiciforme, às vezes com ramificações em panícula, ultrapassando o comprimento das folhas. Flores pequenas, amarelas, brancas ou esverdeadas, hermafroditas ou dióicas. Sépalas 3, livres, arredondadas, assimétricas; pétalas 3, livres e desprovidas de lígula. Estames 6, com filetes inclusos, tênues. Ovário súpero, largo-ovalado, trilocular; óvulos poucos, dispostos em placenta axial. Estilete curto ou nulo. Fruto cápsula com deiscência septicida. Sementes plumosas no ápice.  

Ibicella Van Eseltine, 1929
Gênero monotípico (Ibicella lutea Eselt.). Sul dos Estados Unidos e México. Plantas herbáceas cobertas de glândulas viscosas que exalam odor característico. Folhas simples, opostas, tendendo a alternadas no ápice dos ramos, ovais a suborbiculares, margens inteiras ou denteadas. Inflorescência racemosa. Flores amarelas, pequenas (<5,0cm comp.). Cálice 5-sepalar; brácteas 2, sepalóides; corola ventricosa, ampla no ápice. Estames férteis 4, didinamos; estaminódio 1. Ovário súpero, 2-carpelar, unilocular; óvulos poucos a numerosos, em placenta parietal. Estilete longo; estigma bífido ou bilamelado. Fruto cápsula subdrupácea com deiscência loculicida, provido de longos bicos na extremidade superior. Sementes numerosas.




Tabela

































GLOSSÁRIO


Adaxial - Com lado ou face voltados para a haste principal; lado superior do limbo das folhas.

Capitado - Que tem forma de cabeça; terminando em cabeça.

Cimeira - Inflorescência em que a ramificação é sempre terminal e com número definido de ramos.

Circinada - Que tem a extremidade enrolada em espiral.  

Comensais - Diz-se dos organismos que vivem com outros de espécies diferentes e entre os quais se estabelece certa dependência; que comem juntos. 

Deiscência - Abertura espontânea de um fruto para liberar as sementes.

Epífito - Vegetal que vive fixado em outro sem parasitá-lo.

Escandente - Diz-se do caule ou planta que sobe um substrato agarrando-se a ele por seus próprios meios. 

Escorpióide - Inflorescência de formato semelhante à cauda do escorpião. 

Estaminódio - Estame estéril, no qual falta a antera e cujo filete se dilata tomando o aspecto de pétala.  

Freatófito - Planta com raízes grandes que chegam até o nível do lençol freático para extrair água subterrânea.

Funículo - Pedúnculo do óvulo.

Gavinha - Órgão de fixação das plantas trepadeiras, com o qual elas se prendem. 

Genótipo - Constituição hereditária ou conjunto de genes de um indivíduo, animal ou vegetal.  

Halófito - Diz-se do ambiente que contém sal; salobro. 

Hipanto - Parte inferior do cálice.  

Hipógina - Diz-se da flor que possui ovário súpero, com todos os demais verticilos florais inseridos abaixo do mesmo.

Imbricada - Arranjo ou composição na qual os elementos estão situados uns sobre os outros, como as telhas de uma casa ou as escamas de um peixe.  

Introrso - Diz-se de órgão direcionado para dentro (ex. pêlos introrsos).

Laciniado - Diz-se daquilo que é recortado em lacínias ou franjas. 

Obovóide - Que tem a forma semelhante a de um ovo invertido.

Oligotrófico - Diz-se do ambiente pobre de nutrientes.

Ontogênese - Série de transformações sofridas pelo indivíduo durante o seu período de vida (da fecundação à morte).

Panícula - Inflorescência composta racimosa na qual os ramos decrescem da base para o ápice, dando ao conjunto o formato cônico. 

Peltada - Diz-se da folha circular, com pecíolo inserto próximo ao centro do limbo. 

Pinada - Diz-se da folha composta, subdividida em folíolos ou pinas.

Racimo - Inflorescência indefinida cujas flores pedunculadas ficam insertas ao longo do eixo central; cacho. 

Radicela - Raiz rudimentar; radícula. 

Retrorso - Dirigido para baixo ou para trás.

Rostrado - Que tem forma de bico; que tem esporão ou é semelhante a ele. 

Tricoma - Pêlo ou estruturas similares originárias da epiderme, tais como papilas e escamas.    

Verticilado - Arranjo no qual as folhas ou partes florais dispõem-se em volta de um eixo comum e no mesmo plano horizontal. 



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