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Heiko Bleher desembarcando no aeroporto de Tabatinga (AM). Foto: Natascha Khardina.





EXPEDIÇÃO RIO JUTAÍ





Heiko Bleher

                                                                                                                                                           (HABITAT 80 - MAIO 2006)




Nesta reportagem, Heiko Bleher faz um impressionante relato de sua expedição


(janeiro de 2004) ao Rio Jutaí, numa das regiões mais remotas da Amazônia,


em busca de novas variedades de acarás-disco.




As negociações foram dificílimas. O homem mal-encarado queria R$ 4.500,00 somente pelo aluguel de seu barco. O meu destino era a área mediana do Rio Jutaí, e ali, o Rio Mutum. Um território indígena, longe de qualquer civilização.

 

A única possibilidade de chegar lá era por meio de um barco bem equipado, que também pudesse carregar combustível suficiente e não fosse lento.

 

Nós — Natascha e eu — havíamos voado até Tabatinga, o aeroporto mais próximo e ao mesmo tempo a cidade fronteiriça com a Colômbia. Uma cidade que possui mais de 50.000 habitantes — oficialmente apenas 37.000 — onde já há algum tempo acha-se em andamento a guerra das drogas. Mas Tabatinga ainda está situada a 1.500 quilômetros de distância do meu destino. Temos de descer o Rio Solimões e subir o Rio Jutaí. Para não ficar viajando por meses, necessito de um barco de boa qualidade com dois motores externos de 80 HP e, no mínimo, 1.200 litros de combustível.

 

As negociações duraram dois dias. Oscar, o simpático proprietário do Hotel em Tabatinga, que havia trabalhado para Mike, tentou me ajudar. Mike, isto devo citar, era um americano de ascendência grega, que comercializava animais em Leticia, cidade fronteiriça no lado colombiano e que exportou peixes de aquário durante anos.          Eu o conheci em 1967, quando era cônsul americano honorário em Leticia e queria me vender peixes. Ele havia começado com uma pequena estrutura ganhando muito dinheiro, também com lutas de sucuri e jacarés para o cinema e a televisão. Mas ele era ambicioso, queria sempre mais, e entrou no negócio da cocaína. Ele foi capturado em flagrante com um carregamento da droga e hoje cumpre pena em Miami. Após Oscar ter me contado a história de nosso conhecido, continuamos a procurar no Táxi Fluvial, o embarcadouro de táxis fluviais de Tabatinga. Mas ninguém tinha o barco que procurava, no qual eu certamente aguentaria o esforço. E com o “mal-encarado” não tinha negócio. Oscar também afirmou que no momento não havia nada a fazer. O único barco que podia recomendar estava no conserto.

 

Partimos então às cinco horas da manhã. Natascha e eu só levamos o necessário para a coleta, para dormir e fotografar, e o equipamento para os exames de água. O Rio Solimões de águas turvas, carregadas de sedimentos, havia começado a subir e estava na hora, pois alguns dias mais tarde, os acarás-disco somem por entre os igapós e a mata submersa para a desova, o que ocorre normalmente em fevereiro na região do Jutaí.

 

Nas primeiras horas da manhã, no rio, estava nebuloso, escuro e muito frio. A gente sempre se esquece de como se pode sentir frio na Região Equatorial. Alfredo, um jovem brasileiro de cerca 20 anos, mas que lidava bem com o rápido barco, corria a 60 km/h (160 HP) por entre troncos e raízes flutuantes, e sobre milhares de plantas flutuantes Pistia stratiotes, que quase cobriam por inteiro a forte corrente.



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Heiko Bleher na gélida (!) manhã amazônica com o seu alimento preferido na selva: sanduíche de banana.

Foto: Natascha Khardina.






















 





Nós passávamos por vilarejos na margem direita, que não existiam por ocasião de minha viagem anterior há poucos anos e que não constam de qualquer mapa. Aí chegou o posto de controle no rio: Ibama, Polícia Federal, Polícia da Fronteira e Polícia Militar. Aqui todas as embarcações tinham de parar, vindas do Peru ou não, que desciam ou subiam o rio. Desde que as polícias colombiana, peruana e Polícia Militar brasileira trabalham em conjunto, para combater o tráfico de drogas, o que para mim é uma utopia — eu comparo esta ação à tentativa de Don Quixote de lutar contra os moinhos de vento...

 

De qualquer forma, aqui na região de fronteira existe muita mobilização e os militares estão em todos os lugares. Como é que se quer controlar quase 2.000 quilometros de fronteira, na qual existem três passagens com controle, mas é feito controle em apenas uma — no Solimões? Nesta longa linha de fronteira não existe um único quilômetro de estradas (apenas de Tabatinga para Leticia, mas lá não existe controle). Tudo aqui é a mais densa floresta ou rios sem postos de controle — apenas o citado… Como é que irão conseguir isto?

 

Mas, como jornalistas, foi possível passar facilmente, mas não sem antes deixar dois exemplares de aquageõgraphia de presente. A viagem continuou por ilhas, as áreas de várzea, as quais entrementes são todas usadas como pasto bovino. A várzea é o solo ideal para o capim, que depois do desmatamento cresce rapidamente. Em seguida o gado é transportado em grandes balsas – cerca de 400 em uma balsa — e quando a água sobe, retornam para a terra firme, na qual o capim voltou a crescer.     E, deste modo, uma região de várzea some após a outra – apesar do PROVÁRZEA, um projeto gigantesco da União Européia financiado pelo Banco Mundial.         


Quando estive há pouco no escritório do Ibama em Manaus, pude observar muitas novas salas, cada uma com pelo menos seis terminais de computador, e em todos os lugares havia um cartaz do PROVÁRZEA. Eu perguntei a um representante do Ibama: “O que é que vocês ainda querem proteger se quase todas as regiões de várzea já viraram pastos de gado?”


Há 15 anos atrás eu dizia: "Pelo menos a gigantesca floresta inundada da Amazônia (só ao longo da margem do Rio Amazonas são mais de 307.000 quilômetros quadrados) acha-se protegida do ataque humano…”. Mas que nada. Somente no estado do Amazonas, uma área maior do que a Itália já foi transformada em pasto de gado. Toda a mata primária nesta região virou um pasto infinito... Hoje, o ser humano acha meios e caminhos de usar até o último recanto da Terra.



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Em todos os lugares de Tabatinga avista-se esta placa: "tráfico internacional de animais silvestres é crime federal". Foto: Natascha Khardina.




















Eu solicitei ao Alfredo dirigir nosso barco para dentro do Igarapé Capacete, pois lá eu nunca havia explorado. Eu sabia que o Capacete, como todos os outros afluentes ao sul (direitos) nesta área, só possui água clara. Mas eu queria me certificar pessoal- mente e não pude achar habitats de discos. Aliás, o Capacete está localizado dentro de uma reserva indígena que em 1988 chamou a atenção do mundo. Os brancos haviam atacado a aldeia e massacrado 14 índios Tikuna. Os outros, quase 100, puderam fugir. Eram proprietários de terra, que queriam tomar posse das terras dos Tikuna para transformá-las em pasto. A história teve uma continuação tardia. Quinze anos mais tarde (2003), os responsáveis foram inquiridos e 13 julgados, sendo condenados de 15 a 25 anos de cadeia. Não é a primeira vez nos 500 anos de história do Brasil que brancos que massacram índios são levados a julgamento. Aliás, a sentença até hoje não entrou em vigor… e certamente nem entrará. Os Tikuna sempre foram muito gentis e amigáveis comigo. Eu também os perguntei sobre acará-disco, mas eles só o conhecem pelo nome acará-índio (é o seu peixe da fertilidade).       Todos na vila confirmaram que eles não existem no Capacete, nem em toda a região de águas claras até Benjamin Constant. Mais acima no rio, quando já escurecia, chegamos a um local chamado Amaturá. Aqui desemboca o igarapé de água negra do mesmo nome, no qual eu já constatei a presença de discos verdes. Um pouco mais além, à margem esquerda do Solimões, desemboca o claro Rio Içá em um grande delta, onde se acham três ilhas. E pouco mais além, acha-se Santo Antonio de Içá, onde passamos a noite.

 

No Rio Içá, em 1976, eu achei o espetacular disco vermelho com um barramento central. Ele entrou para a história como o disco vermelho de içá (alguns o chamavam de “Rio Içanã” ou semelhante). O doutor Schmidt-Focke o reproduziu com sucesso e todos os discos vermelhos que existem atualmente no mundo (naturais ou verdadeiros — não aqueles tratados com hormônio) derivam dele. Naturalmente, muitas vezes com formas diferentes, obtidos de cruzamentos com diversos outros tipos (ex. Pidgeon).



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Acará-disco coletado pelo autor no Rio Içá, em 1976. Este foi o precursor de todos os discos vermelhos fixados geneticamente. Foto: Heiko Bleher.















 



Santo Antonio de Içá já dispõe de dois hotéis. O hotel que está localizado no porto ainda estava em construção e ainda assim, os ratos entravam por baixo da cama quando fui inspecionar o quarto. O outro situado bem no final da “rua principal” tinha um aspecto melhor, mas não dispunha de quarto com janela. Mas pelo menos ao invés de ratos, só grandes baratas Periplaneta americana...

 

Depois de uma refeição à base de galinha com feijão e arroz fomos à sorveteria, o ponto de encontro do lugar — que também está localizado na “rua principal” (uma outra rua efetivamente não existe…). Em frente, acha-se localizada a igreja que estava iluminada tal qual uma árvore de natal (aliás, o Natal já havia passado há mais de um mês…). Quem tem dinheiro possui uma motocicleta, que é estacionada em frente à sorveteria para demonstração. Do salão ecoava um tipo de música rap tão alta, que os três pirarucus Arapaima gigas, que enfeitavam a fonte seca em frente ao local, se moviam — como se quisessem voltar ao Amazonas...

 

Com certeza, é do conhecimento de todos, que o maior peixe de água doce da Terra, que só ocorre na Bacia Amazônica, o pirarucu Arapaima gigas, está ameaçado de extinção. Durante milênios ele foi a “vaca” do Amazonas. Os primeiros povos indígenas já utilizavam tudo: os ossos (como arma), a língua (como ralador) e as escamas (como lixas). Mais tarde, também os colonizadores e depois os caboclos ribeirinhos. Com isto deu-se início ao seu ocaso. A inundação de imigrantes e a caça sem piedade a este peixe de excelente sabor de até 300 quilos — no Século 19 eram pegos espécimes de 500 quilos — foi a causa que culminou com o seu desaparecimento. Trata-se de um incubador bucal, que durante a desova permanece em águas rasas e assim é relativamente fácil de ser arpoado, pois respira ar da atmosfera e para isto sobe à superfície em intervalos regulares.

 

Santo Antonio de Içá também não pode ser alcançada por estradas. Além de Belém, Santarém e Manaus, não existe uma localidade ao longo destes 7.000 quilômetros de rio que podem ser alcançadas por rodovias. Nós deveríamos imaginar isto. Também é uma característica única no planeta. “Este tipo também é único”, deve ter pensado Alfredo quando eu o tirei da cama às 4:15 horas para continuar a nossa viagem. Andar na mais profunda escuridão, com uma forte lâmpada, conduzir o barco por entre o mar de troncos flutuantes, sem danificar os hélices dos dois motores externos, com certeza não era fácil. Somente a partir das 5:00 horas começou a clarear; às 6:00 horas em ponto, o Sol começou a subir por entre a densa floresta e em minutos estava tão forte que tive de tirar o meu casaco de lã.

 

Os Tikunas vivem aqui bem dispersados. Também fora das reservas. São mais de 35.000, alguns entraram para a política. Juntamente com os Guaranis (que vivem principalmente no Paraguai e no sul do Brasil) são a única etnia nativa que encontrou o caminho da “civilização” e cresce surpreendentemente. Sempre estávamos passando por uma nova aldeia.



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Heiko Bleher fala com índios Tikuna sobre acará-disco. Foto: Natascha Khardina.



 

Por volta do meio-dia avistamos então, à direita, bem acima (87 metros acima do mar), São Paulo de Olivença. É um dos poucos vilarejos que possui pista de aterrisagem e uma vez por semana pousa um avião de Manaus (quando ele voa). Eu já tentei por diversas vezes, sem sucesso. A velha máquina está há meses com a lotação esgotada.

 

Pouco antes de São Paulo de Olivença acha-se localizado o habitat leste do tetra neon, o que poucas pessoas sabem. Por volta de 1935, o francês Rabaut o achou na região de Tabatinga e o levou a seu país de origem. Os alemães a princípio o chamaram de “caracídeo brilhante” e o ictiólogo alemão Ladiges lhe deu o bonito nome de “peixe beija-flor”. Depois que o Aquário de Hamburgo enviou os primeiros exemplares com o Zeppelin para a América é que o peixe foi denominado tetra neon.  E em 1936 foi também denominado cientificamente Hyphessobrycon innesi (hoje Paracheirodon innesi), em homenagem a William T. Innes, autor e redator do único periódico de aquariofilia da época, a revista The Aquarium.

 

São Paulo de Olivença possui, como todos os vilarejos maiores ao longo do Amazonas, um flutuante (cais flutuante onde se pode ancorar) e nós amarramos o nosso barco nele. Mas apenas para subir os 700 degraus até o vilarejo e saborear na casa de Dona Maria um excelente Tucunaré ao Molho (Cichla ocellaris em molho de legumes) e aí continuamos a nossa viagem rumo ao Jutaí.



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Flutuante – Cais de São Paulo de Olivença. Foto: Heiko Bleher.



 

O Jutaí é um rio de água negra e os acarás-disco praticamente só ocorrem na água negra (com exceção de quando chove muito ou o quando o Rio Solimões sobe muito e se mistura um pouco). Aliás, negra não é negra. As águas negras, por exemplo, onde ocorre o acará-disco (Symphysodon discus) são extremamente ácidas. Os parâmetros do sistema do Rio Negro, no centro do Rio Urubu, nas regiões de Jatapu, nos rios Nhamundá e Abacaxis, onde apenas vivem Symphysodon discus, possuem águas com pH abaixo de 5,0 (às vezes tão baixo quanto pH 3,8) e possuem todos uma condutividade que é praticamente constante, abaixo de 10 µS/cm. Portanto, eles vivem em águas negras, quase destiladas… Os discos verdes, por outro lado, só vivem em água negra, cujo pH se situe quase sempre acima de 5,0 — mas nunca acima de 6,0 —, com condutividade entre 10 e 20 µS/cm.



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Rio Jutaí, habitat do acará-disco verde. Foto: Natascha Khardina.



 

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Moita de acara-açú submersa no habitat do disco verde, no Rio Jutaí.

Foto: Heiko Bleher.



Para encurtar o longo caminho, nós navegamos por uma conexão — paraná — entre dois rios ou lagos (ou lago-rio-lago), essas conexões no Brasil são muitas vezes denominadas assim. A cidade na foz do Rio Jutaí, que aqui possui quase um quilômetro de largura, á a única existente nos mais de 400 quilômetros de rio. A cidade se chama Foz do Jutaí (para alguns apenas Jutaí) e é pequena. Dizem que aqui moram alguns milhares de pessoas, mas parece menor.

 

Navegando Jutaí acima, depara-se com algumas ilhas, e como o rio quase não é habitado, temos de conhecer a área com precisão para não se perder neste emaranhado de águas. Por vezes encontra-se uma ou duas casas de caboclo, algumas até possuem telhado de eternit, mas somente na margem direita. Na margem esquerda existe apenas floresta alagada, lá não mora ninguém.

 

Depois de cerca de uma hora de viagem chegamos ao único outro vilarejo no Jutaí — que ainda é muito menor e possui apenas 300 habitantes. Ele se chama Copatana e acha-se quase localizado na foz do Igarapé de mesmo nome.

 

Há alguns anos atrás (1977), eu já havia vasculhado descalço, por mais de 100 quilômetros, a mais densa floresta na parte superior do Jutaí, uma gigantesca área e reserva. Naquela ocasião, procurei intensamente por discos e outros peixes e descobri várias novidades. E pela primeira vez também uma variedade incubadora bucal de Apistogramma, que se tornou uma sensação mundial, pois ninguém acreditava que tal peixe pudesse existir. Mais tarde (1998-1999), também foi encontrada na parte peruana — a fronteira por via aérea nem é tão distante. Aliás, até hoje ainda não foi descrita cientificamente e a reprodução ainda não foi consistentemente obtida.

 

Mas até então, eu não podia comprovar a existência de discos no Jutaí. Só os assim denominados Flecheiros. Uma tribo indígena que quase nunca teve contato com brancos — nem com missionários. Eles foram denominados Flecheiros, porque parecem caçar apenas com arcos e flechas. São nômades, sem moradia fixa e estima-se que só vivam cerca de 300 indivíduos e que se comuniquem em seu próprio idioma. Eu não pude me comunicar com eles, apesar de falar alguns idiomas. Mas com presentes, roupas e facas, fósforos e doces para as crianças, eles me deram alimento e me mostraram o caminho para a floresta da parte superior do Jutaí que eu procurava. Eles naturalmente conheciam a selva até então nunca penetrada pelos brancos. No final ainda me ofereceram um macaco aranha manso. Esta espécie de macaco é o “animal doméstico” preferido dos Flecheiros.



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Índio Flecheiro, para quem demos uma camisa de presente. Foto: Heiko Bleher.



No ano de 2001, o supervisor do órgão responsável pelas tribos indígenas brasileiras (Funai), Sydney Possuelo, organizou uma expedição à mesma área com mais de 300 acompanhantes (eu só tinha um) para buscar maiores informações sobre os Flecheiros e outras tribos isoladas daquela região. Possuelo é da opinião — com a qual eu concordo —, que as tribos devem permanecer isoladas de qualquer jeito, pois quando entram em contato com os brancos, são contaminados e morrem igual a moscas. Eles não possuem anticorpos contra vírus simples como os de um mero resfriado. A maioria dos povos indígenas — entrementes mais de 200, morreu deste modo, e naturalmente em virtude dos massacres dos colonizadores, caçadores de animais, missionários, garimpeiros de ouro e traficantes de madeira. Por sorte, enfim se pensa corretamente em Brasília e se proíbe até aos missionários de qualquer contato com os povos isolados.



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Uma fogueira apagada dos índios Flecheiros; nela as borboletas se reanimam.

Foto: Heiko Bleher.



 

Em Copatana encontrei o pescador Correia, o único da região, que coleta há mais de 20 anos, contudo somente três meses ao ano. Pois o Jutaí sobe em média 12 metros e, assim, pode-se imaginar que ele se transforma em um “oceano”. Centenas de quilômetros ficam embaixo d’água, os peixes desovam nas copas das árvores e se alimentam da enorme oferta de flores, frutos e semente, os principais alimentos dos peixes da Amazônia.

 

Correia coleta os peixes e os envia com o regatão (lancha que também leva carga) uma vez ao mês para Manaus. Eu ainda pude ver em sua posse alguns belos exemplares de Geophagus e Heros. Mas ele me disse que não conseguia vender estes exemplares.



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O coletor Correia ao lado do autor sobre os viveiros para acondicionar

os discos no Rio Jutaí. Foto: Natascha Khardina.


 

Depois de um extensivo descanso noturno em minha rede, prosseguimos Rio Jutaí acima na manhã seguinte. Para dizer a verdade, eu gostaria de entrar no Rio Mutum, contudo ele agora também é TI (Território Indígena — uma Reserva) e faz-se necessária uma autorização especial da Funai em Brasília. Além disto, conforme afirmou Correia, são necessários 14 dias para tal. E eu efetivamente não dispunha de tanto tempo. Mas irei fazer isto uma próxima vez.

 

Árvores carregadas de bromélias e orquídeas margeavam o rio, seus paranás e lagos que visitei. Eu explorei a região de dia e de noite enquanto Natascha fazia todos os testes de água. Mergulhava por sob as moitas de acara-açú e árvores para procurar os animais e observar. As moitas de acara-açú e muitas espécies semelhantes são bastante difundidas na área amazônica, em todas as margens, em igapós e na água.  E são habitats bem típicos de discos, os parâmetros são ideais e o biótopo ainda está intocado. Uma vez pude localizar, assim como já fiz no passado, um gigantesco cardume — no mínimo 200-300 peixes — liderados por um exemplar alfa magnífico.



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Acarás-disco verdes – um cardume com indivíduo alfa (peixe central verde claro).
Foto: Heiko Bleher.



 

Agora a ordem era manter a calma, pois o cardume sempre volta ao seu local de origem. Temos de ter muita paciência e perseverança. A coleta mais certa aqui é durante a noite. Melhor ainda depois da meia-noite. E foi dito e feito. Alfredo não estava nem um pouco satisfeito, pois mais uma vez não o deixei dormir. Natascha, por sua vez, está sempre pronta para qualquer aventura. É inacreditável o que ela até agora teve que suportar em minha companhia e sempre — sem exceção — esteve à minha disposição. Nem um homem teria suportado tanto…

 


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Exemplar de acará-disco verde coletado no Rio Jutaí. Os discos verdes do Jutaí são animais magníficos, em parte com grandes manchas vermelhas e desenhos bem diferentes dos verdes de Tefé, Japurá e da área do Juruá. Foto: Heiko Bleher.




Foi extremamente árduo, mas todas as peripécias foram recompensadas. Exemplares únicos de discos verdes entraram na rede — no total 40 — que foram então acondi-cionados em viveiros (recipientes flutuantes) no rio. Alguns peixes quase não dispunham de manchas vermelhas (red spots) por sobre o corpo, somente na margem da nadadeira anal, mas possuíam um corpo de cor verde quase irreal. Alguns exemplares, por outro lado, mostravam manchas vermelhas bem largas com até três milímetros de diâmetro por todo o corpo, ou por grande parte do corpo. Essas vari- ações de cor dos discos verdes ainda não foram vistas na Europa.


E nem só esses discos verdes são novos, mas também uma espécie de acará-bandeira (gênero Pterophyllum). Com uma forma e cor que até agora nunca encontrei em outras águas. Ela vive aqui com este disco singular e possui duas nadadeiras dorsais rudimentares e dois grandes ocelos verde-esmeralda bem marcantes. Possui, também, uma mancha preta similar a de Pterophyllum leopoldi que é uma característica da espécie (e, naturalmente, a cabeça).




                                                                                                                                     TRADUÇÃO: FRAUKE ALLMENROEDER.





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