Visão parcial da Ilha da Trindade. Foto: João Luiz Gasparini.





VIAGEM PARA A ILHA DA TRINDADE


Odair Fernandes Aguiar
                                                                                                                                                                                 (HABITAT 74 - AGOSTO 2003)





A Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) é uma organização militar subordinada ao Comandante da Marinha, e tem como missão fazer levantamentos hidrográficos, compilações de cartas náuticas, observações meteorológicas, divulgar Avisos aos Navegantes, editar tábuas das marés, expedir notícias e publicações. Situada na cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, conta ainda com um Grupamento de Navios Hidrográficos para mantê-los no mais alto nível de aprestamento para a realização de missões hidro-oceanográficas e de segurança à navegação marítima, tanto da armada brasileira como de navios mercantes nacionais ou estrangeiros.

Entre os navios hidrográficos, o Barão de Teffé foi o primeiro a operar em regiões glaciais com a Bandeira do Brasil. Após realizar doze viagens à Antártica, passou, em 1994, a ser um navio-faroleiro. Construído na Dinamarca, desde 1957 foi utilizado no apoio aos estabelecimentos dinamarqueses da Groenlândia e em expedições antárticas das marinhas francesa e australiana. Adquirido pelo Brasil em agosto de 1982, permitiu ao nosso País ser admitido no Conselho Consultivo do Tratado da Antártida. Atualmente, está relacionado com atividades de sinalização náutica, construção de faróis e faroletes, abastecimento e provisão das guarnições dos faróis e ilhas, transporte dos faroleiros, fornecendo também assistência médico-odontológica às guarnições dos faróis, serviço de apoio ao balisamento, transporte e desembarque do material necessário às fainas de construção e manutenção dos sinais náuticos de difícil acesso.













































Chegada do helicóptero no navio Barão de Teffé (Baía de Guanabara). Foto: Odair Aguiar.



A VIAGEM

No dia 02 de agosto de 2001, o navio Barão de Teffé larga as amarras e singra em direção à Ilha da Trindade. Serão seis dias de viagem num “Mar de Almirante” — uma missão alternativa de apoio ao Posto Oceanográfico Ilha da Trindade (POIT). A ponte Rio-Niterói está parcialmente coberta por nevoeiro, avistamos a Ilha Fiscal, antiga sede da DHN; o Castelo e o Aeroporto Santos Dumont estão mais visíveis e o centro do Rio parece um presépio. Ao nos aproximar da entrada da Baía da Guanabara, identificamos o morro do Pão de Açúcar, um monumento ígneo, majestoso, parecendo um guardião.























Barra da Baía de Guanabara. Foto: Odair Aguiar.



Assim, o Barão de Teffé iniciou sua operação de apoio logístico‑pessoal e material ao POIT. Ele transporta 50% do efetivo da guarnição que irá substituir os militares que completaram quatro meses de permanência na ilha, mais a carga que excede em peso 20 toneladas, constituída de óleo, gasolina, equipamentos, sobressalentes, alimentos, etc. Um helicóptero do Esquadrão de Helicópteros da Base Naval de São Pedro d’Aldeia aterrisa no heliponto (convoo) do navio; parte da guarnição aero-naval já se encontra a bordo. O Capitão-tenente Amaury é o piloto da aeronave.

O comandante do Barão de Teffé é o Capitão de Fragata Henrique Dieter Scheitzer Hofer, hidrógrafo, com curso de meteorologia e mestrado nos Estados unidos. Ele está sempre bem disposto, eficiente, sabendo conduzir os seus subordinados com ordens claras e concisas, tratando-os com cordialidade e respeito, sem infringir as normas e a hierarquia. Sua tarefa é facilitada pela guarnição, bem adestrada e doutrinada, ciente de suas obrigações e responsabilidades, transcorrendo a rotina sem sobressaltos. Seus subordinados imediatos são: Capitão de Corveta Carlos Frederico Cavalcanti (Imediato) e Capitão de Corveta Marco Antonio Dutra Jonino (Operações).





















Parte do pessoal a bordo. Foto: Odair Aguiar.






















Cmt. CF Dieter lendo o antigo jornal HABITAT. Foto: Odair Aguiar.



Essa minha viagem foi a realização de um sonho acalentado durante anos. Dos quadrantes deste imenso país, só em dois lugares eu não havia estado: a Ilha da Trindade (extremo leste) e Tabatinga (extremo oeste), sendo este meu próximo objetivo. Devo ao Comandante Hipólito ter sido incluído entre os oito “alienígenas” que vieram a bordo, sendo duas oceanógrafas — Fernanda Terra Stori e Gabriela Faria Oliveira, a fotógrafa Renata Mello, o agrônomo Emerson Rogério Sabiani, os rádio-amadores Ricardo de Sousa Carvalho e José Luis Vieira Fernandes e o cinegrafista profissional Andrey Augusto Ferraz.

Ao bordejarmos o Pão de Açúcar, localizei a Fortaleza de Lajes, fortificação do Exército Brasileiro praticamente submersa; fico imaginando ficar enclausurado nesse submarino estático. Do outro lado divisa-se a Fortaleza de Santa Cruz, altaneira, construída sobre uma rocha  que se debruça sobre o mar. Quão estreita é a barra da Baía da Guanabara! Transpondo-a, estamos num imenso mar azul, que se encontra, no infinito, com o céu.

Estamos em agosto, período em que as ressacas varrem as nossas costas de sul para o norte, mas o mar está tranquilo, estamos navegando em uma grande lagoa…

Para nós, os “alienígenas”, a viagem, em certos momentos, se torna monótona — céu e mar a perder de vista. Para contornar este marasmo, nos reunimos na praça d’armas para cantar, ouvir música e trocar ideias. Os oficiais do navio e do helicóptero, nas horas de folga também participam. Para a tripulação, o trabalho é permanente e diuturno, o navio navega 24 horas por dia, e a vigilância é constante, para se evitar o perigo de colisão, manter a rota traçada e ficar de sobreaviso para avarias nos motores e incêndio a bordo. Os oficiais se revezam nos quartos de serviço, de duração de três horas durante o dia e de quatro horas à noite e ainda executam o serviço de rotina, de acordo com suas funções. Os principais postos do navio são informatizados.  Os exercícios simulados, como de pessoa no mar, incêndio a bordo, abandono do navio, são realizados durante a viagem, criando um condicionamento na guarnição para seu lugar e a sua participação.

Os oficiais aero-navais são mais joviais e durante a viagem participam do ócio dos “alienígenas”. A situação para eles se altera radicalmente após o navio fundear ao largo da ilha. Eles têm que se desdobrar para cumprir a sua parte na missão, dentro do cronograma previsto. O transporte de pessoal e de carga é feito por helicóptero, em surtidas ininterruptas, do alvorecer ao crepúsculo. É um vai-e-vem do navio para a ilha, transportando carga e pessoal nos dois sentidos. A aeronave não pousa na ilha ao transportar carga. Esta é suspensa por meio de cabos ao sair do navio e desligada ao pairar sobre o heliporto. Nem toda a tripulação desce à terra — alguns por necessidade do serviço, outros para pescar (sem muito sucesso).

Ao entardecer do sexto dia de viagem, chegamos à Ilha da Trindade. Parte da tripulação, os novos ilhéus temporários (por quatro meses) e os “alienígenas” foram hospedados nos prédios existentes. A vista da ilha nos deixa perplexos, ora parecendo a ponta de um iceberg, ora a visão dos primórdios do nosso planeta. Como compreender que a mais de mil quilômetros de Vitória (ES), em direção à África, a natureza esculpiu essa enorme rocha?




















Quem avista a Ilha da Trindade, se depara com um cenário tão diferente que não pode deixar de pensar em Eras passadas, talvez quando os répteis ainda dominavam a vida na Terra. A paisagem rochosa de origem vulcânica, a primitiva samambaia gigante, as grandes tartarugas marinhas e a neblina que por vezes se instala na Ilha, devem ser os responsáveis por essa estranha sensação.

A foto acima, da ilha com neblina, foi tirada pelo ictiólogo João Luiz Gasparini.



A ILHA

Trindade é o cume de um vulcão extinto, que se eleva de uma profundidade de mais de 5.000 metros sobre uma base de 50 quilômetros, com cinco quilômetros e meio de extensão por dois quilômetros e setecentos metros de largura, sendo o Pico Desejado o ponto mais alto da ilha (600 metros de altura). Está distante do litoral do estado do Espírito Santo cerca de 1.160 quilômetros. A plataforma que circunda Trindade varia de três a cinco quilômetros de distância, com profundidade de 200 metros. Uma formação coralínea protege a orla do mar, principalmente nas enseadas. Três pequenas ilhas (rochedos) desertas, conhecidas como Martin Vaz, estão nas vizinhanças, com origem semelhante, mas, possivelmente, mais antigas.

















































Localização da Ilha da Trindade e sua conformação geral (a barra horizontal representa um quilômetro).

Ilustrações: Marcelo Notare (adaptado de Gasparini, 2001).



























Rochedos de Martin Vaz, próximos à Ilha da Trindade.

Foto: João Luiz Gasparini.




A diversos navegadores tem sido creditada a façanha de haver descoberto a ilha. Em época mais recente concluiu-se que Estevão da Gama, companheiro retardatário de Vasco da Gama, em sua segunda expedição à Índia, teve a primazia de descobri-la, em 18 de maio de 1502. Nos primórdios do século 16, os navegadores já conseguiam determinar a latitude no mar, mas demoraria perto de 250 anos para poderem obter, com precisão, a longitude. Devido a essa dificuldade, diferentes navegadores deram-lhe diversos nomes (topônimos), pois julgavam tratar-se de ilhas diferentes. Este erro perdurou por longo tempo, e a ilha foi conhecida ora como Ascenção, ora como Trindade.

O domínio da Coroa Portuguesa deu-se em 1538, com a concessão, na forma de Capitania, a Belchior Camacho de Carvalho, mas a doação acabou não se concretizando. O holandês Olivier van Noort fundeou em Trindade em 1599, à procura de recursos e aguada, não os encontrando. Diversos navegadores de diferentes nacionalidades aportaram na ilha. Em 15 de abril de 1700, a corveta Paramour Pink, com o navegador e astrônomo Edmund Halley tomou posse em nome da Coroa Britânica. Em dezembro de 1722, dois navios ingleses tentaram convidar moradores do Rio de Janeiro para estabelecer uma feitoria com negros da Costa da Mina (África). A ilha de Ascenção ou Trindade, por ocasião da guerra pela independência dos Estados Unidos, foi ocupada pelos ingleses e fortificada. A fragata francesa Filipina com sua tripulação foi aprisionada pelos ingleses da nau Jupiter e esta, em 17 de junho de 1782, fundeou no Rio de Janeiro.

Foi quando os portugueses foram avisados pelos franceses de que os ingleses estavam estabelecidos na ilha. Graças às boas relações luso-inglesas, Portugal conseguiu que a ilha fosse evacuada. Apesar da demora decorrente da evacuação e dos preparativos para a reocupação pela esquadra lusitana, em 10 de janeiro de 1873, quando esta chegou, verificou-se que os ingleses já tinham ido embora.

A ilha foi ocupada com o desembarque de alguns colonos e suas famílias, mas esta aventura durou apenas 13 anos devido à pequena fertilidade do solo, à falta de um porto e ao isolamento. Apesar da retirada dos colonos, foi mantida a guarnição militar. Em 11 de outubro de 1795, a ilha foi evacuada com o traslado para o Rio de Janeiro de todo o pessoal militar e a artilharia.

Enquanto isso, Trindade continuava sendo visitada periodicamente por navios franceses, holandeses e de outras nacionalidades.

A Imprensa do Rio de Janeiro, em 11 de julho de 1895, noticiou a anexação da ilha ao Império Britânico, ocorrida meses antes. A razão era estratégica, seria um ponto de apoio aos cabos da Western and Telegraph, que ligariam a Europa e a Argentina. Na demanda diplomática que se seguiu, o Brasil recusou a arbitragem e graças aos bons ofícios do governo português, os ingleses desistiram de suas pretensões. Dois anos depois, foi instalado um marco assinalador da soberania brasileira e em 1910 a Marinha do Brasil reafirmou a posse erigindo um marco de granito ainda hoje existente.

Por ocasião da Primeira Guerra Mundial, através de decreto de 30 de setembro de 1914, foi criada uma guarnição mista de terra e mar. Somente em 24 de maio do ano seguinte, o cruzador Barroso transportou uma guarnição militar, que viria a ser desativada no dia 02 de setembro de 1919, após o término do conflito.

No final de outubro de 1924, o navio fiscal de pesca Aspirante Nascimento fundeou a fim de instalar na ilha uma colônia de pesca, mas o destino mudou o seu objetivo, e devido às condições de instabilidade política do país, a colônia foi transformada em presídio. Lá estiveram presos Juarez Távora, o General Sarmento e o Capitão Solon, entre muitos outros. Em dezembro de 1926, os presos e a guarnição militar juntamente com todo o material e equipamentos militares foram retirados de Trindade, e a partir de 1927 o presídio foi desativado.

Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, e os submarinos alemães começaram a atacar navios aliados nas costas do Brasil, a guarnição de Trindade foi reativada e passou a fazer parte do patrulhamento aéreo, dando apoio aos hidroaviões Consolidated PBY-5 Catalina que decolavam da Base Aérea do Galeão e da Base Aérea de Salvador. Com o final da guerra, em junho de 1945, essas atividades foram encerradas.

Após uma árdua tarefa, foi instalado, em 1957, o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT), que permanece ativo até hoje, com uma guarnição de quarenta militares, que se revezam de quatro em quatro meses, sendo de dois em dois a renovação de parte deles. O POIT possui alojamentos, posto de rádio, posto meteorológico, ambulatório médico, galpão de suprimentos, entre outros. É prerrogativa do comandante ser um Capitão de Corveta (CC), e seu Imediato um oficial médico. Na ocasião, viajou no Barão de Teffé o CC Paulo Sérgio da Silva, que iria substituir o CC Altemar Veríssimo de Oliveira, o imediato, Primeiro-Tenente-Médico Emerson Luis Brasil Dias seria substituído na próxima viagem.

A ilha apresenta um relevo muito acidentado, com picos e encostas acentuadas, ladeando vales profundos e em desagragação permanente. Possui um túnel natural com 270 metros de comprimento, largura de 12 metros e altura de cinco metros e meio. O clima é fresco nas noites e suportável durante o dia, com água de boa qualidade. Quase diariamente cai uma chuva passageira. Somente com a chegada de frentes frias há uma precipitação de maior intensidade.





















Praia da Tartaruga, em Trindade. Foto: João Luiz Gasparini.









































Gruta da Ilha da Trindade. Foto: Odair Aguiar.



Trindade é um lugar propício para observações meteológicas, climáticas, da influência do ar frio e os limites meridionais dos ventos alíseos. Estes dados são coletados e enviados à DHN, que os distribui para diversos centros meteorológicos. Hoje em dia, por questões práticas, a previsão meteorológica em escala mundial está concentrada nos Estados Unidos. No entanto, convém lembrar, em 1982, durante a Guerra das Malvinas, as informações do Atlântico Sul deixaram de ser divulgadas, exceto para a Inglaterra.









































Monumento aos Andradas, na Ilha. Foto: Odair Aguiar.




As observações meteorológicas são feitas por intermédio de rádio-sondas transportadas por balões e as informações são captadas por uma antena receptora e em seguida enviadas para um computador. A sonda atinge 20.000 metros e os dados transmitidos têm duração de duas horas. O Barão de Teffé durante a viagem realiza rádio-sondagens diariamente. No dia 03 de agosto acusou a altura de 21.591 metros, pressão de 43 milibares, temperatura de 59° Centígrados negativos e umidade de 1%. A temperatura da água foi obtida com um batitermógrafo de 60 em 60 minutos, a um metro de profundidade, e com tabelas obteve-se a temperatura em grandes profundidades.






















Navio encalhado em Trindade. Foto: João Luiz Gasparini.



BIODIVERSIDADE


Devido ao seu pequeno tamanho e à má qualidade do solo, a Ilha da Trindade abriga uma fauna e flora com número reduzido de espécies. A introdução de cabras e porcos, feita provavelmente pelo inglês Edmund Halley, que tinha a intenção de fornecer alimento aos náufragos, causou uma devastação na flora da ilha, com graves riscos para as nascentes de água. Esses animais tornaram-se selvagens. Recentemente, foram abatidos para estancar sua ação destrutiva e para servir de alimento. Restaram apenas uns poucos exemplares de cabras no alto dos picos, lugares de difícil acesso, onde fogem ao perceber a presença do homem. Através dos anos, junto com as cargas, foram introduzidos o camundongo caseiro, gatos, baratas e moscas. Bovinos e jumentos introduzidos em diferentes ocasiões foram retirados ou morreram.

Na flora, destaca-se uma espécie de samambaia gigante (Cyathea cf. copelandii) com até a seis metros de altura. Encontram-se também, em vários lugares, troncos mortos com diâmetro de 25 a 30 centímetros, com bela cor vermelha, restos do que um dia foram matas de pau-brasil e de outras madeiras nobres.













As samambaias gigantes (Cyathea cf. copelandii) formam densas florestas.

Fotos: Odair Aguiar.



As grandes tartarugas marinhas (Chelonia mydas), conhecidas como tartarugas verdes — chegam a pesar 250 quilos — procuram no Atlântico sul as ilhas de Ascenção e Trindade, para desovar. Na praia das tartarugas, cavam buracos de dois metros de diâmetro onde depositam seus ovos (200 a 250) no período que vai de dezembro a março. A tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), espécie espongívora, embora não se reproduza em Trindade, tem nesta ilha uma das suas áreas de alimentação.




















Tartaruga Verde (Chelonia mydas) em Trindade,

fotografada há décadas pelo filho do autor.

Foto: Odair Aguiar Filho.




Todavia, os verdadeiros donos da ilha são os caranguejos (Gecarcinus lagostoma), que se encontram em todos os lugares, inclusive nos altos picos, nas árvores e até dentro das casas, caso a porta fique aberta. A Marinha tem normas restritivas quanto à sua captura e utilização como alimento, apesar de já não ser apreciado devido ao seu sabor adocicado. Eles são os grandes responsáveis pelos ataques às tartaruguinhas recém-nascidas, seguidos pelas aves e pelos peixes. Não há peixes dulcícolas e as tartarugas são os únicos répteis.




















Os caranguejos Gecarcinus lagostoma estão em todos os lugares.

Foto: Odair Aguiar.




Quanto às aves marinhas, algumas são residentes e outras migratórias, sendo que a fragata (Fragata ariel) é a espécie mais característica da ilha. Encontram-se ainda: alcatraz (Fragata minor); andorinha-do-mar (Anous stolitus); pombo-do-mar (Gigis alba);  e petrel-de-Trindade (Pterodroma arminjoniana), endêmica deTrindade. Há duas espécies de atobá ou mergulhão (Sula sula) e (Sula dactylatra).

Os tripulantes pescadores que permaneceram a bordo não foram felizes na sua atividade de lazer, apesar de mergulhadores eventuais terem encontrado barracudas, garoupas, badejos, xaréus, tubarões e olhetes.

Os ictiólogos João Luiz Gasparini e S. R. Floeter realizaram seis expedições à ilha, entre os anos de 1995 e 2000, utilizando em seus mergulhos aqualung e snorkel, e registraram 95 espécies abrangendo 80 gêneros de 44 famílias, sendo 75 espécies restritas às praias e costões. As mais representativas famílias foram: Carangidae, com nove espécies (Carangoides bartolomaei; Carangoides ruber; Caranx latus; Caranx lugubris; Decapterus macarellus; Elagatis bipinnulata; Selar crumenophthalmus; Seriola rivoliana; Uraspis secunda), Serranidae, também com nove espécies (Cephalopholis fulva; Dermatolepis inermis; Epinephelus adscensionis; Gonioplectrus hispanus; Mycteroperca interstitialis; Mycteroperca venenosa; Rypticus saponaceus; Serranus phoebe), Labridae, com sete (Bodianus rufus; Bodianus pulchellus; Halichoeres brasiliensis; Halichoeres maculipinna; Halichoeres poeyi; Thalassoma noronhanum; Xyrichthys novacula), Pomacentridae com cinco (Abudefduf saxatilis; Chromis flavicauda; Chromis multilineata; Microspathodon chrysurus; Stegastes trindadensis) e Muraenidae, com cinco espécies (Echidna catenata; Enchelycore nigricans; Gymnothorax miliaris; Gymnothorax moringa; Gymnothorax polygonius). 

Eles coletaram seis novas espécies, em fase de descrição, e Gasparini publicou um livro sobre a ilha (2004), em que narra a história geológica, a ocupação humana e a fauna e flora de Trindade.






Peixe-donzela de Trindade (Stegastes trindadensis), espécie endêmica da região. Foto: João Luiz Gasparini.



Há muitos “purfa” (Melichthys niger), ou cangulo, ou peixe-porco, que cercam os banhistas, chegando a mordiscá-los. Em outra plagas, a sua pele é retirada, curtida e utilizada na confecção de cintos, bolsas e sapatos. Trindade tem pelo menos cinco espécies endêmicas das famílias Labrisomidae (Malacoctenus sp.), Blenniidae (Scartella sp.; Entomacrodus sp.), e Gobiidae (Elacatinus sp.; Lythrypinus sp.) (Gasparini & Floeter, 2001). Todas em processo de descrição pelos pesquisadores acima citados e colaboradores. Espécies de peixes marinhos frequentemente vistas em aquários também são encontradas em Trindade: Bodianus pulchellus e B. rufus; Holacanthus tricolor; Opistognathus brasiliensis; Microspathodon chrysurus; Prognathodes brasiliensis; e vários outros.



















Cangulo (Balistes vetula). Foto: André Luiz Nicolau.






















Bodião (Bodianus pulchellus). Foto: Sergio Costa.








































Opistognathus brasiliensis. Foto: Marcelo Notare.





















Microspathodon chrysurus (juvenil). Foto: Marcelo Notare.



A ilha é cercada por recifes de algas calcáreas, o substrato colonizado por corais hermatípicos (Siderastrea stellata; Porites branneri; Favia gravida), zoantídeos (Palythoa spp.) e coral-de-fogo (Millepora brasiliensis) (Leão, 1986). As principais ordens de algas são: Caulerpales, Dictyotales e Cerimiales.








Piscina do Parcel. Foto: João Luiz Gasparini.




O REGRESSO

Após uma estada de quatro dias em Trindade, ao entardecer, retornamos ao navio por meio do helicóptero e zarpamos para Vitória, no Espírito Santo. Foram mais quatro dias de mar calmo, vento fraco e sem chuva. São Pedro nos brindou com uma bela viagem marítima.

A cidade de Vitória está situada numa ilha e percorremos um bom trecho no canal que a separa do continente, antes de chegar ao local de atracação. Ao cruzar o estreito corredor, contemplando os carros na orla da praia, os prédios se sucedendo uns aos outros e as pequenas embarcações, tivemos uma dupla sensação — de beleza e de desconforto — pela possibilidade de abalroar uma embarcação ou colidir com um parcel. Naturalmente, esta é uma sensação de marinheiro de primeira viagem.

A permanência em Vitória, que foi de dois dias, nos permitiu visitar a Escola de Aprendizes Marinheiros, com ótima apresentação e limpeza esmerada. A recepção foi acolhedora. Lá existe um modelo de navio em alvenaria onde é ministrada aos futuros marinheiros toda a faina, como se estivessem embarcados.

O percurso de volta ao Rio de Janeiro durou três dias, com mar calmo. Ao chegar, voltamos a ver a imponência do Pão de Açúcar, ao longe o Corcovado e os bairros, e praias em miniatura.

Essa viagem deixou saudades e a esperança de algum dia podermos voltar a Trindade para completar o nosso propósito inicial de percorrer maior parte da ilha. Fazer uma viagem à Ilha da Trindade é um privilégio de poucos, sendo necessário ter um objetivo aceito pela Marinha (Primeiro Distrito Naval).


Ilha da Trindade — Sentinela Avançada, sob a guarda da Marinha do Brasil.
       


Agradecimento


Ao amigo ictiólogo João Luiz Gasparini pelas importantes informações sobre Trindade, revisão dos táxons e pelas belíssimas fotos.


Bibliografia

Falanghe, A. (1987) Trindade: a ilha do fim do mundo. Rev. Mergulhar, 31: 28-33.

Gasparini, J.L. (2004) Ilha da Trindade e Arquipélago Martin Vaz — Pedaços de Vitória no Azul Atlântico. Univ. Fed. do Espírito Santo (UFES), 100 pp.


Gasparini, J.L. & Floeter, S.R. (2001) The shore fishes of Trindade Island, western South Atlantic. Journ. of Nat. History, 35: 1639-1656.

Leão, Z.M.A.N. (1986) Guia para Identificação dos Corais do Brasil. Prog. de Pesquisa e Pós-Graduação em Geofísica, Inst. de Geociências, Univ. Fed. da Bahia, 57 pp.

Mendonça, L.N.F. (1971) Bol. Geo. do Rio de Janeiro.







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