Rio típico da porção ocidental dos Llanos, estado de Portuguesa. Foto: Wilson Costa.


Coletando peixes anuais nos Llanos da Venezuela


Wilson J. E. M. Costa

                                                                                                                                                                (HABITAT 78 - MARÇO 2005)



A América do Sul é um verdadeiro paraíso para aqueles que se dedicam ao estudo dos seres vivos. A complexa história geológica e a amplitude climática da região propiciaram uma vasta diversidade de paisagens, cada qual abrigando fauna e flora peculiares.

Dando prosseguimento ao meu projeto de conhecer os vários biomas tropicais onde ocorrem peixes aploqueilóideos, objeto de minhas pesquisas, recentemente visitei os “Llanos” venezuelanos. Como o nome sugere, os “Llanos” constituem uma vasta planície ocupando grande parte do centro da Venezuela e uma porção da Colômbia.




















 

Paisagem dos Andes, onde nascem os rios que formam a porção ocidental dos Llanos da Venezuela.

Foto: Wilson Costa.



A vegetação é do tipo savana, com amplas áreas de campos e algumas zonas de florestas. A região é drenada pelo Rio Orenoco e seus afluentes. Durante a época de chuvas, entre abril e novembro, a área se torna inundada, surgindo uma infinidade de ambientes aquáticos sazonais, onde densas populações de peixes anuais são encontradas. A paisagem em geral possui grande similaridade com o Pantanal brasileiro. Porém, todos os gêneros de peixes anuais que ocorrem nos “Llanos” — Austrofundulus Myers, Rachovia Myers, Terranatos Taphorn & Thomerson e Gnatholebias Costa —, são endêmicos desta porção norte da América do Sul.

A minha viagem ocorreu em julho de 2004, quando estive acompanhado por Claudia Bove, botânica do Museu Nacional, e nosso filho Bruno Costa, com 10 anos de idade. Tivemos o apoio logístico de Donald Taphorn, ictiólogo norte-americano que vive na Venezuela desde os anos 70, e meu conhecido de longa data. Donald é professor da Universidad Nacional Experimental de Los Llanos Occidentales Ezequiel Zamora e diretor do Museo de Ciencias Naturales dessa mesma universidade. Essa instituição possui sede nos arredores de Guanare, cidade situada no coração dos “Llanos”, e que nos serviu de base durante a nossa estada nessa região da Venezuela. Nas coletas, tivemos a companhia e a ajuda de dois funcionários do museu, Luciano Martinez, que dirigiu o veículo, e Keyla Marchetto, técnica da coleção de peixes, além de dois estudantes de pós-graduação, Luis Fernando Jara e Jorge Coronel. Aproveito aqui para expressar meus agradecimentos a estas pessoas acima mencionadas, que possibilitaram agradável estada e sucesso na obtenção dos exemplares de peixes anuais.





















A equipe no primeiro dia de coleta. Da esquerda para a direita:
o autor,

seu filho Bruno, Keila e Luciano.
Foto: Claudia P. Bove.


Concentramos nossos esforços no estado de Portuguesa, do qual Guanare é a capital. A região é cortada por rios da bacia do Orenoco, que nascem nos Andes e correm de oeste para leste. Consequentemente, apresentam águas turvas e com grande correnteza. As poças onde ocorrem os peixes anuais encontram-se totalmente isoladas destes rios.

A primeira espécie que coletamos foi Rachovia maculipinnis (Radda), também a mais comum, encontrada em quase todas as poças que avistamos. Nada a meia água. Possui um belo padrão de séries de pintas e barras oblíquas de diferentes cores no flanco e nas nadadeiras ímpares em machos. Foi possível notar uma grande variação de padrões de colorido da cauda entre indivíduos de uma mesma população. Além disso, há uma série de pequenos filamentos na borda posterior da nadadeira caudal.






















Rachovia maculipinnis (macho) coletada nessa expedição.
Foto: Wilson Costa.





























O autor e seu filho Bruno coletando
Rachovia maculipinnis em poça perto de Guanarito.


Foto: Claudia P. Bove.



A segunda espécie foi observada por nós mesmo antes de ser coletada. Trata-se de Gnatholebias hoignei Thomerson, uma espécie de porte grande para peixes anuais, normalmente atingindo cerca de 12 centímetros de comprimento total, e que vive junto à superfície nos locais mais sombreados e mais fundos das poças. Quando nos aproximávamos lentamente, era possível visualizar vários exemplares nadando calmamente junto à superfície, mas logo que chegávamos a menos de um metro de distância, desapareciam repentinamente. Possui maxilas alongadas e nadadeira anal com numerosos raios. Porém, o que mais chama a atenção são os longos filamentos que existem em toda a borda posterior da nadadeira caudal. Entretanto, apenas poucos exemplares exibem esta nadadeira sem dilacerações causadas por lutas.       A peitoral também é alongada, terminando em ponta aguda e apresenta uma bela faixa azul-clara e negra na margem inferior. O colorido mais vívido está concentrado na parte distal da nadadeira anal, que é alaranjada e possui curtos filamentos na ponta. A fêmea se assemelha ao macho, mas possui cores pálidas e os filamentos das nadadeiras estão ausentes. Uma fêmea de uma outra espécie do gênero, Gnatholebias zonatus (Myers), foi coletada no mesmo local. Entretanto, apesar dos esforços, nenhum macho foi capturado. Aparentemente, Gnatholebias zonatus prefere locais mais expostos ao sol, mas não tivemos êxito em qualquer dos ambientes amostrados.























































Gnatholebias hoignei coletadas nessa expedição. De cima para baixo:

macho adulto; fêmea; detalhe da cabeça e nadadeira peitoral. Fotos: Wilson Costa.



Austrofundulus transilis Myers foi também encontrada em grande quantidade. Possui o corpo um pouco mais alto e apresenta colorido avermelhado espalhado pela região posterior do flanco e nadadeiras caudal, anal e pélvicas. Nestes aspectos descritos, chega a lembrar superficialmente algumas espécies do gênero africano Nothobranchius Peters. Uma grande mancha azul-esverdeado-escura realça o padrão de colorido dos machos desta espécie.





















Austrofundulus transilis (macho) coletada nessa expedição. Foto: Wilson Costa.


A espécie que tivemos maior dificuldade para encontrar foi Terranatos dolichopterus (Weitzman & Wourms), um dos killifishes mais populares na aquariofilia. Sua característica marcante é a presença de nadadeiras dorsal e anal alongadas, e de caudal com prolongamentos lembrando o que se chama popularmente de caudal em lira. Conseguimos apenas dois exemplares que estavam na parte funda e sombreada de uma poça, no último dia de coleta. Constatamos logo que Terranatos dolichopterus é uma espécie muito frágil, apresentando sinais de debilidade apenas algumas horas depois da coleta.























Terranatos dolichopterus (macho) coletada nessa expedição. Foto: Wilson Costa.

























Coleta de Gnatholebias hoignei em poça perto de La Capilla. Da esquerda para a direita:

o autor, Luis Fernando, Jorge e Bruno.
Foto: Claudia P. Bove.


Como resultado da viagem, além das boas lembranças dos belíssimos lugares que conhecemos ao longo de três semanas viajando pela Venezuela, conseguimos uma representativa coleção científica de peixes anuais dos “Llanos”. Esta será uma importante fração do material que serve como base para estudos já em andamento,   e que visam à melhor compreensão da origem e história dos peixes anuais sul-americanos.





Terranatos dolichopterus
(macho) perfeitamente aclimatada em aquário.
Foto: Marcelo Notare.









CONFIRA OS NOVOS ARTIGOS E TAMBÉM OS MAIS ANTIGOS AGORA COM MUITAS FOTOS
  Site Map